terça-feira, abril 28, 2009

Clipping - Jornal do Comércio - Cartórios na Mira da Justiça





CARIMBO SUSPEITO
Cartórios sob investigação
Publicado em 26.04.2009

Cartórios são a porta da cidadania. Garantem do direito fundamental a um nome até a segurança da atividade econômica. Apesar da grande responsabilidade e de faturar bilhões, são uma caixa-preta em vários Estados. Em 2008, o Judiciário de Pernambuco passou a fiscalizá-los de forma mais intensiva e se deparou com sonegação, corrupção e práticas que lesam cidadãos e empresas. Até a próxima quinta-feira, o JC decifra a atividade e mostra ainda casos curiosos, na série de reportagens Carimbo suspeito. Os textos são de Giovanni Sandes e Gilvan Oliveira. As fotos, de Hélia Scheppa.

Eles moram juntos há 22 anos. Tratam-se como casados, mas, até o último mês, não tinham “papel passado”. Ela sonhava com isso e se impôs usar aliança só depois do casamento. Os dois já haviam sido casados. João Evangelista da Silva, 53 anos, lutou oito anos para conseguir na Justiça seu divórcio. Sua esposa, Antônia Maria Amorim, 62 anos, separou-se rápido, em dias. Após tanta espera, quando tudo parecia pronto para a humilde e aguardada cerimônia, regada a cervejinhas e refrigerantes, o casal foi vítima de uma irregularidade no cartório que, por pouco, não acabou com o sonho de oficializar a união. Ao tentar registrar seu divórcio com a ex-mulher, João foi cobrado por um serviço que deveria ser de graça. A despesa imprevista pesaria mais no bolso dos dois do que a festinha improvisada para não deixar a nova união passar em branco.

Desde o ano passado, a Corregedoria-Geral da Justiça de Pernambuco (CGJ-PE) comprou briga com os cartórios. Não se trata de caça às bruxas. Mas há muito tempo a atividade vinha sendo mal fiscalizada, apesar da robusta e eficiente máquina arrecadatória das serventias extrajudiciais (como também são chamados os cartórios).
Essas serventias movimentaram no Estado, em 2005, R$ 48 milhões. No ano passado, esse dinheiro chegou a R$ 97,4 milhões, um impressionante salto de 101% nos últimos três anos. Para dar alguma referência do tamanho do crescimento, segundo a Agência Estadual de Planejamento e Pesquisas (Condepe/Fidem), toda a economia pernambucana avançou, de 2005 a 2008, 18,1%. Ou seja, o percentual de alta na arrecadação dos cartórios foi cinco vezes superior ao da economia de Pernambuco, um salto de fazer inveja a muitas indústrias.

Apesar de suscitar muitas críticas, a atividade dos cartórios tem amparo na Constituição e existe para resguardar a atividade econômica. São os selos e carimbos oficiais que tornam seguras as informações necessárias para vários negócios, registrando contratos, imóveis, cuidando de cobranças de títulos não pagos, além do registro de vida e morte de cada cidadão. O desempenho dessa atividade vem da Europa do século XIV, dos países de origem latina. Apareceu exatamente pela carência de alguém que garantisse a veracidade de informações prestadas em papéis.

No Brasil, os cartórios são herança portuguesa e vêm das capitanias hereditárias, as primeiras divisões territoriais do País. Ambos, capitanias e cartórios, passavam de pai para filho. Essa cultura familiar, nas capitanias, acabou em 1759. Nos cartórios, não. Desde 1988, porém, os tabeliães (titulares das serventias) deveriam ser escolhidos através de concursos públicos. Há Estados que nunca fizeram tal seleção. E os que fizeram receberam pesada artilharia jurídica dos empossados ainda sob o velho sistema.

A atividade é tão fechada que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem dificuldade de acompanhar a movimentação financeira dos cartórios, nacionalmente. Segundo Marcelo Berthe, juiz auxiliar da presidência do CNJ, as informações são levantadas e repassadas pelos Estados, mas alguns deles simplesmente negligenciaram a atividade, o que dificulta um cálculo exato sobre as cifras movimentadas. Mas é possível se ter uma ideia. Em maio do ano passado, quando o Conselho divulgou um estudo sobre os cartórios, os dados mais recentes de um “ano fechado” apontava que, em 2006, a atividade faturou mais de R$ 4 bilhões no País.

Com tanta responsabilidade, os cartórios são obrigados a seguir regras estritas do
Judiciário de cada Estado, como uma tabela única de preços, além de garantir a segurança na prestação do serviço. A Justiça, por outro lado, faz duas cobranças sobre os cartórios. Em Pernambuco, uma delas é a taxa do fundo de gratuidade (Ferc), que banca certidões de casamento, óbito e nascimento dos mais pobres. A outra, a taxa incidente sobre a utilização dos serviços notariais ou de registros (TSNR), custeia investimentos físicos do Tribunal de Justiça.

Porém, ano passado, com a fiscalização da Corregedoria, foram descobertos casos de sonegação em que cartórios passaram até cinco anos sem repassar sequer R$ 1 dessas taxas para o Judiciário. Também surgiram graves casos de má prestação de serviços e corrupção. Tabeliães começaram a ser afastados e os cartórios sob sua responsabilidade, a sofrer intervenção.

Um primeiro sintoma de sonegação generalizada foi que, apenas entre fevereiro e julho de 2008, quando a Corregedoria começou a checar informações sobre a arrecadação no Estado, o repasse dos cartórios ao Judiciário subiu 60%. Em setembro, apurou-se que 25% dos investigados apresentavam irregularidades. Até agora, oito tabeliães foram afastados. Mas há muito o que fiscalizar. São 498 cartórios no Estado.

No caso do então noivo João Evangelista, depois que obteve na Justiça seu divórcio, ele foi a um cartório que cobrou R$ 150 pela averbação (registro oficial) da separação judicial, o que representa dois graves problemas. O primeiro é que ele recebeu assistência judiciária e teria direito a gratuidade, o segundo, que o valor é o dobro do estipulado pelo Judiciário. “O cartório dizia que estava fazendo quatro procedimentos, mas eu tinha direito ao serviço de graça”, lembra João. “Como ela (a tabeliã) viu que ele não estava aceitando as explicações, devolveu o dinheiro”, emenda Antônia. A cobrança indevida é um dos casos sob investigação da Corregedoria.

Em Lagoa do Carro, 90 casamentos anulados
Publicado em 26.04.2009

No final de 2008, o padre Anael Antônio Henrique Figuerêdo, de 35 anos, passou por um grande constrangimento perante seus fiéis da paróquia de Nossa Senhora da Soledade, em Lagoa do Carro, município da Mata Norte. “As pessoas receberam a informação de que teriam que se casar de novo. Vinham me cobrar a validade por casamentos que eu já havia celebrado, dentro das leis civis e da Igreja. Chegaram a afirmar que era negligência da igreja”, relata. Depois de algumas conversas, padre Anael descobriu a origem das queixas dos paroquianos: o cartório de registro civil da cidade. O escrivão deixou de observar regras básicas de registro público, o que levou à invalidação dos 90 casamentos celebrados na paróquia durante 7 anos. “Como foi fundada justamente em 2001, significa que todos os casamentos celebrados na história da paróquia estavam comprometidos”, explica o padre.

Diante da extensão e da gravidade do problema, o caso de Lagoa do Carro ganhou notoriedade entre os funcionários da Corregedoria-geral de Justiça ligados à fiscalização dos cartórios extrajudiciais. As irregularidades só vieram a público com a morte do tabelião local, em outubro passado. A reportagem apurou que o cartório teria deixado de registrar os casamentos no livro específico para isso, não teria submetido a documentação ao juiz e ao promotor de Justiça local e nem cumprido as formalidades para a habilitação ao casamento – como exigir certidão de nascimento dos noivos e as assinaturas de duas testemunhas.

Após a morte do tabelião, a Corregedoria nomeou uma substituta, a titular do cartório de registro civil de Carpina, Creuza de Souza Belo, que começou a organizar os registros. Ela não quis falar sobre o assunto. Mas o padre Anael Henrique informou que os documentos arquivados na igreja estão servindo de base para o cartório tentar consertar os erros e validar os casamentos. “Hoje a igreja serve de cartório para o cartório”, ironiza.

Um dos casais prejudicados pelas irregularidades do cartório é o do avicultor Josenildo Avelino Barbosa, 35 anos, e a da dona de casa Eunice Rita da Silva, 33 anos, moradores da comunidade São Francisco, zona rural do município. Eles selaram a união em um casamento coletivo, em outubro de 2008. De lá para cá, lutam para conseguir a certidão de casamento. “Levamos os documentos que nos pediram e temos o recibo de pagamento das taxas (do cartório). Quando fomos pegar a certidão, disseram que o caso não tinha sido encaminhado para o juiz e que tínhamos que pagar outro casamento. Não vamos pagar. A gente não acha certo pagar duas vezes”, reclamou Eunice. O atraso na certidão de casamento está afetando a renda mensal da família. Segundo Josenildo, o dono do aviário onde ele trabalha solicitou o documento para liberar o pagamento de um salário-família, o que lhe renderia 10% mais na renda doméstica, hoje de R$ 900.

O caso de Lagoa do Carro está longe de um desfecho. A paróquia chegou a colocar um advogado para dar assistência aos casais carentes prejudicados. Não está descartada uma ação judicial contra o Estado. Como os cartórios são concessões públicas, delegadas a particulares, o Estado seria corresponsável pelas irregularidades dos tabelionatos.

Justiça descobre taxas ilegais cobradas há 37 anos
Publicado em 26.04.2009

Desde 1972, dois grandes cartórios no Centro do Recife cobravam uma taxa que não tinha qualquer amparo legal. A cobrança só foi suspensa após ser descoberta, há quase dois meses, pela Corregedoria-geral do Tribunal de Justiça de Pernambuco (CGJ-PE). Um desses cartórios chegou a barrar a entrada de uma equipe da CGJ-PE, que só entrou com a polícia. A fiscalização revelou a existência da taxa ilegal e também de uma sonegação de anos, em um dos cartórios.

As taxas foram criadas pelos 1º e 2º Ofícios de Protesto. De uma lista de 498 cartórios do Estado, os dois brilharam, respectivamente, na quarta e terceira maiores arrecadações de 2008. Faturaram, na mesma sequência, R$ 6,3 milhões e R$ 6,6 milhões. Mas o verdadeiro número era maior, incrementado pela cobrança irregular e, em um dos casos, pela sonegação.

Esses dois cartórios são os únicos na capital a trabalhar com protestos de títulos, caminho percorrido diariamente por bancos, financeiras e outras empresas que precisam “engrossar” com os clientes inadimplentes. Embora qualquer cobrança feita por cartórios deva obrigatoriamente obedecer uma tabela do Judiciário, o 1º e 2º Ofícios, há 37 anos, criaram uma cobrança de R$ 24,90 batizada de “despesa de condução e com edital”. Segundo a Corregedoria, só o 1º Ofício levantou, em fevereiro passado, R$ 229 mil com a cobrança irregular. A taxa foi proibida pelo Judiciário.

O assessor jurídico da Associação Nacional dos Notários e Registradores de Pernambuco (Anoreg-PE), Israel Guerra, contudo, diz estranhar o entendimento da Corregedoria. A Anoreg-PE vai elaborar um documento defendo a posição dos cartórios envolvidos no caso.

“Títulos são cheques, duplicatas e contratos de valores indefinidos, normalmente mil vezes o valor da taxa. O serviço dos cartórios têm custos. Os papéis são transportados, o devedor precisa ser notificado com a publicação de editais em jornais e várias outras coisas. É o custo da segurança do serviço. O mais importante é que uma das fontes do direito é o costume. A taxa existe desde 1972, é prática estabelecida”, argumenta.

Mesmo sendo “prática estabelecida”, a taxa ilegal só foi revelada em uma conturbada fiscalização no 1º Ofício de Protestos, ação que, em um primeiro momento, teve como consequência o afastamento, em 17 de fevereiro, da tabeliã Fernanda Dornelas Câmara Paes, acusada de sonegar R$ 716,6 mil. A irregularidade teria ocorrido de janeiro de 2005 a julho passado. No papel, o corregedor-geral de Justiça, desembargador José Fernandes de Lemos, argumentou que o afastamento era necessário para garantir as investigações. O que a formalidade da decisão não mostrava – e que o JC apurou – é que essa “garantia de investigação” precisou ser estabelecida depois que a Corregedoria da Justiça foi impedida de entrar no prédio pelos seguranças do cartório. Só entrou com reforço policial. A primeira constatação da Corregedoria foi a sonegação, a segunda, a taxa ilegal, cobrada pelos dois cartórios.

Ao proibir a taxa, a Corregedoria informou, no Diário Oficial, que “considera ilegal a cobrança da denominada despesa de condução e com edital” e que a taxa “caracteriza infração disciplinar grave”, por violar o artigo 31, inciso III, da Lei número 8.935/94 (lei que disciplina a atividade dos cartórios). A pena pode chegar à perda da titularidade dos cartórios, pelos tabeliães, “sem prejuízo das sanções penais cabíveis”, de acordo com o Judiciário.

A reportagem não conseguiu localizar Fernanda Dornelas.

Até o reconhecimento de firma sofre irregularidade
Publicado em 26.04.2009

Se em Lagoa do Carro a dor de cabeça causada pelo cartório é uma realidade, no Recife e em Abreu e Lima, ela é um presságio. Usuários que confiaram na boa-fé de tabelionatos dessas duas cidades podem estar sendo vítimas de irregularidades sem saber. No cartório de registro civil da Madalena (Zona Oeste), a Corregedoria-geral de Justiça encontrou vários erros, principalmente no reconhecimento de firmas. A interventora da serventia desde outubro de 2008, Karla Beltrão de Andrade, informou que não havia no local um registro organizado de cartões de autógrafo, que servem para confirmar a autenticidade das assinaturas em documentos. Há indícios de que elas sequer eram conferidas. Karla afirmou que os cartões eram preenchidos fora do cartório, sem garantia da identidade do signatário. “Uma pessoa veio aqui mostrando um recibo de um carro dizendo que a assinatura não era dele, e estava com a firma reconhecida pelo cartório”, informou.

Em Abreu e Lima, o problema está no cartório de imóveis. Aprovada em concurso e empossada no tabelionato em novembro do ano passado, Daise Nunes encontrou várias folhas em branco no meio do livro de registro de propriedade de imóveis. A Lei de Registro Público proíbe esse tipo de prática para evitar fraudes. As folhas devem ser preenchidas na sequência, sem pulos. “Só assumi depois que um juiz-corregedor viu os erros”, disse Daise. Ela disse que há indícios de que os antigos funcionários do cartórios receberam escrituras de compra e venda, mas não registraram no livro.

Na prática, os compradores estão sem a titularidade dos imóveis. Pela lei brasileira, a propriedade só é transmitida com o registro da escritura no cartório de imóveis. Daise disse que não tem como mensurar o tamanho da irregularidade, mas acredita que ela deve ter atingido vários imóveis do bairro Cohab.



CARIMBO SUSPEITO
Isso aí ao lado é um cartório
Publicado em 28.04.2009

Cartório rentável é privilégio de poucos. A maioria das serventias no Estado é deficitária. Trabalham na base do improviso. No terceiro dia, a série Carimbo suspeito enfoca as duas faces da atividade. Enquanto poucos cartórios faturam milhões, a grande maioria tem movimento perto de zero. E ainda assim, continuam atendendo à população. Textos de Giovanni Sandes e Gilvan Oliveira. Fotos, Hélia Scheppa.

A vida e o trabalho de Luís José de Santana, 48 anos, desmistificam uma imagem: a de que assumir um cartório significa ficar rico. Santana é o responsável pelo registro civil da Vila de Saué, distrito de Tamandaré (Mata Sul). Trabalha em uma sala cedida pelo município, sem telefone e com uma máquina de escrever. O espaço é até melhor que o box no mercado público, onde o cartório funcionava até dezembro. Santana conta que sua renda mensal média com a atividade é de R$ 500. “Se não tivesse outra ocupação, já teria deixado o cartório”, diz. Ele também é professor da rede municipal na cidade vizinha a Tamandaré, Rio Formoso – onde mora. Por mês, gasta R$ 120 só para percorrer os 30 quilômetros até Saué.

A maioria dos cartórios em Pernambuco, principalmente os de registro civil, são inviáveis financeiramente. Funcionam de forma improvisada, alguns até em quartos, nas residências dos escrivães. Em Buenos Aires (Mata Norte), o telefone do único cartório local, responsável por registro civil e notas, é um orelhão. “A gente vai usando. O telefone é público”, afirmou o responsável pela serventia, Alberto Carlos Vasconcelos, 44 anos. O orelhão também serve de contato para um supermercado, vizinho ao tabelionato.

Um levantamento do JC, com base em dados da arrecadação dos cartórios em 2008 fornecidos pela Corregedoria-geral de Justiça, mostra que a atividade repete a grande concentração de renda que permeia a sociedade brasileira. Uma minoria fica com a maior fatia das receitas, enquanto a imensa maioria passa dificuldades. Dos 498 cartórios no Estado, 150 (30,52%) tiveram arrecadação zero. Outros 89 cartórios (17,8% do total) arrecadaram menos de R$ 10 mil no ano. Ou seja, na média, 239 serventias, 48% do total, têm renda mensal de R$ 833.

“Há uma distância imensa entre a renda doméstica, digamos assim, de cada cartório. Você encontra cartórios de registro civil até mesmo com renda zero. Isso não existe. Você bota uma bodega, uma tapioqueira, pelo menos ganha R$ 1”, diz o presidente da Associação dos Notários e Registradores em Pernambuco (Anoreg-PE), Luiz Geraldo Correia da Silva. “Muita gente tem que buscar uma atividade paralela. Isso ocorre muito no interior”, emenda.

Na outra ponta, 21 cartórios arrecadam acima de R$ 1 milhão por ano. Eles faturaram juntos, em 2008, R$ 61,8 milhões, dos R$ 97,4 milhões movimentados em todo o Estado. Isso significa que 65,4% do faturamento de toda a atividade, em Pernambuco, está nas mãos de só 4,21% das serventias. A disparidade pode explicar o fato de o Estado figurar como o segundo do País em número de cartórios vagos, ocupados por escrivães substitutos. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Pernambuco, com 235 cartórios vagos (47,4% do total), perde apenas do Piauí. Coincidentemente, o número de vagos é quase o mesmo daqueles com baixa arrecadação, 239.

Quase todos os deficitários são de registro civil, responsáveis por anotar nascimento, óbito e casamento. Depois que uma lei federal instituiu a gratuidade para nascimentos e óbitos, só casamentos podem ser cobrados. E nem todos. Se os noivos declararem não ter condições de bancar o registro sem prejudicar seu sustento, são liberados da taxa. O que mantém o serviço, principalmente no interior, é o Fundo Especial do Registro Civil (Ferc), instituído pela Corregedoria em 1996 e financiado por um percentual da arrecadação de todos os cartórios. Ele compensa o escrivão pela gratuidade. Destina um salário mínimo (R$ 465) para cada cartório e repassa cerca de R$ 20 por ato gratuito.

Em março, os R$ 500 de Luís Santana vieram exclusivamente do Fundo. Em Buenos Aires, Alberto Vasconcelos conta que tira em média de R$ 800 a R$ 1 mil por mês, mais da metade pelo Ferc.

CARIMBO SUSPEITO
Projeto pretende unificar serviços e evitar transtornos
Publicado em 28.04.2009

A assessoria do deputado federal Gonzaga Patriota (PSB-PE) prepara um projeto de lei que promete remodelar toda a organização cartorária do País. Como consequência, poderá mexer na concentração de renda em poucos cartórios. Se aprovado e virar lei, as serventias (cartórios) terão atribuição para realizar qualquer ato dentro de uma área territorial. Não haveria mais cartórios especializados, de imóveis, protesto ou registro civil, por exemplo. Todos poderiam fazer de tudo. Basta que o ato seja relacionado com determinado bairro ou cidade. “O cidadão chega no cartório e lá pode realizar qualquer ato ao mesmo tempo: registrar um filho, protestar um título, fazer o registro da escritura de um imóvel. Não se vai mais perder tempo pulando de um cartório para o outro. Às vezes, se perde o dia inteiro para resolver coisas simples”, explica o deputado.

Patriota diz que despertou para o tema por sentir na pele a demora no serviço prestado por algumas serventias. Em dezembro, ele conta que tirou um dia para registrar um filho recém-nascido, a escritura de um imóvel e dar baixa em um protesto indevidamente apresentado contra ele. “Perdi o dia inteiro. Em cada cartório que chegava, demora quase duas horas”, queixa-se. Pelo projeto, haveria uma central de distribuição nas cidades grandes e médias, onde vários cartórios atuam. O interessado iria a essa central, que indicaria para qual serventia ele deveria se dirigir para realizar os atos.

O deputado defende que a proposta, além de simplificar a vida dos usuários, valorizaria os cartórios, principalmente os de registro civil. Na estrutura cartorária, as serventias responsáveis pelas anotações de nascimentos, óbitos e casamentos são pouco rentáveis financeiramente. Isso por conta da gratuidade: quase todos os atos são gratuitos por força de uma lei federal. “Podendo receber protestos, lavrar escrituras, registrar imóveis, esses cartórios teriam como se viabilizar”, acredita.

A proposta, Patriota faz questão de ressaltar que ainda está em fase embrionária. É que tem sido bem recebida pela população. Mas ele pretende ouvir todos os interessados, inclusive a Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg-BR), antes de apresentá-lo formalmente na Câmara. O deputado reconhece que o projeto é polêmico e deve enfrentar forte resistência dos registradores e notários que detêm a exclusividade do registro de imóveis, protesto e notas, os serviços mais rentáveis. O presidente nacional da Anoreg, Rogério Portugal Bacellar, diz que só comenta o projeto quando ele for apresentado formalmente.

FUNDO NACIONAL

O Fundo Especial do Registro Civil (Ferc), adotado em Pernambuco para compensar os cartórios de registro civil pelos atos gratuitos, serviu de base para outro projeto do deputado. Tramita na Câmara, ainda sem previsão de ir a votação em plenário, um projeto que cria o Fundo Nacional de Registro Civil (Funarc), que indenizaria as serventias em todo o País pela gratuidade. Ele seria financiado com dotações orçamentárias da União, por doações e pela receita oriunda das taxas cobradas pelos cartórios. É o mesmo princípio adotado pelo Ferc, no Estado.

CARIMBO SUSPEITO
O partido dos cartórios
Publicado em 29.04.2009



Titulares de cartórios sempre tiveram força política, ainda que restrita aos bastidores. Mas agora eles querem ir à linha de frente. Participar do debate político como atores principais. Tanto que estão articulando a criação de um partido, o Pci ou Partido da Cidadania. Neste quarto dia, a série Carimbo suspeito aborda a movimentação política de tabeliães e registradores. Textos de Giovanni Sandes e Gilvan Oliveira.

Da atuação nos bastidores a protagonistas. Notários e registradores de todo o País preparam um salto na cena política brasileira. Estão mobilizados para a criação de um partido, o Partido da Cidadania (Pci). Querem ter presença no Parlamento e no Executivo, sem intermediários. “Não adianta bater nos políticos e na política, nem apenas cobrar. Se a gente quer entrar no debate, vamos entrar para valer. Vamos sentar à mesma mesa, discutir assuntos e deixar nossa marca”, justificou o presidente da Associação dos Notários e Registradores em Pernambuco (Anoreg-PE), Luiz Geraldo Correa, titular do Cartório de Notas e Registro de Imóveis de Salgueiro (Sertão) e presidente da ainda embrionária sigla. Em agosto próximo, os organizadores do Pci querem protocolar na Justiça Eleitoral o pedido de registro da legenda. Isso já de olho nas eleições de 2010, porque um partido só está apto a disputar pleitos um ano após seu registro. Se o projeto for adiante, será o 28º partido brasileiro.

Capitaneado a partir de Pernambuco, o projeto está bem adiantado. A ata de fundação e o estatuto da legenda já estão registrados. Correa informa que só falta cumprir uma exigência para pedir o registro do partido ao TSE: colher o número mínimo de assinaturas de apoiadores à causa previsto em lei. Segundo a Lei dos Partidos Políticos, esse número deve ser equivalente a 0,5% dos votos válidos em todo o País dados a candidatos à Câmara dos Deputados nas últimas eleições (2006). São aproximadamente 500 mil assinaturas, que devem ser colhidas em pelo menos nove Estados. O presidente da Anoreg-PE garante que metade das assinaturas já foi coletada. A outra metade, ele acredita que consegue até agosto.

Correa aposta no cumprimento da meta, entre outros fatores, por conta da extraordinária ferramenta que está à disposição do Pci: os cartórios, presentes em praticamente todos os municípios brasileiros. Tabeliães e registradores em todos os Estados, simpáticos à proposta, estão coletando assinaturas. “Muitos colegas estão se incorporando ao projeto”, garante. Além disso, serão realizados eventos em praça pública para atrair a população. Hoje, por exemplo, está prevista a instalação de um estande, na Praça da Independência, Centro do Recife, para colher assinaturas.

Mesmo tendo notários e registradores na linha de frente do projeto, Correa garante que o partido não servirá para corporativismo. “Seria uma estupidez criar um partido apenas para defender uma classe”, rebate. Ele cita duas entidades desconhecidas, sediadas no Rio – a Associação Brasileira dos Nordestinos (ANB) e a Farol da Cidadania – como apoiadores do Pci. “Nossa bandeira será garantir a cidadania à população. E de cidadania nós entendemos, porque nossa atuação é a porta da cidadania à sociedade. Depois do partido formado, estamos certos que muitos se incorporarão aos nossos projetos”, argumenta. Correa citou pelo menos três motivos que levaram titulares de cartórios de todo o País a apostarem na fundação de um novo partido: as siglas tradicionais já não atendem os anseios da sociedade, a insatisfação com o nível dos políticos e a contribuição que a classe daria ao setor público.

FORÇA SILENCIOSA

Caso o Pci prospere, será mais um passo de uma categoria que, mesmo de forma silenciosa, tem uma significativa força política, sempre atuando nos bastidores. Um exemplo desse poder está na Câmara dos Deputados. Lá, tramita a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 471/2005, que concede titularidade de cartórios a vários escrivães substitutos, sem concurso público. Da autoria do deputado João Campos (PSDB-GO), a proposta prevê que os substitutos, estando há cinco anos na titularidade do cartório sem o Judiciário local realizar concurso para preenchê-lo, seriam efetivados. Ela é válida para quem assumiu interinamente uma serventia entre 1988 e 1994, quando foi promulgada uma lei federal regulamentando a atividade dos cartórios. Não há dados seguros de quantos escrivães seriam beneficiados no País. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já se pronunciou contra a PEC.

Outro exemplo de força aconteceu em Pernambuco. Com várias manobras judiciais, escrivães e registradores substitutos conseguiram suspender por oito anos um concurso realizado pelo Tribunal de Justiça para tabelião. “Entraram com recursos com claro intuito protelatório, só para adiar a nossa posse”, comentou Daise Nunes, titular do Cartório de Imóveis de Abreu e Lima, uma das aprovadas no concurso realizado em 2000, e que só foi empossada em novembro de 2008 porque brigou na Justiça. Nesses oito anos, os substitutos exploraram os cartórios como se fossem titulares, recebendo todas as vantagens financeiras da atividade.
Caminho atual é contrário ao da década de 40
Publicado em 29.04.2009

Ao partirem para o protagonismo, investindo na criação de um partido, tabeliães e registradores estão tomando o caminho inverso da geração anterior de titulares de cartório. Hoje, eles estão saindo das serventias e querem espaço na vida pública. Antes, saíam da política para “ganhar” um cartório. Até meados da década de 1980, cartório era uma espécie de prêmio, um privilégio para quem estava próximo do poder. Eram usados nas negociações políticas. Poderia ser para atrair um novo aliado, para consolar um antigo por um insucesso nas urnas, ou como forma de gratidão. “A titularidade de uma serventia era moeda de troca ou mesmo uma forma de compensar alguém. Não havia critério objetivo para escolha do tabelião”, afirma Ivanildo Figueiredo, titular do 8º tabelionato de Notas do Recife, aprovado em concurso para exercer o cargo e professor universitário estudioso do assunto.

Paulo Guerra, Arnaldo Maciel, João Roma, Costa Lima, Salviano Machado. Quem anda pelo Centro do Recife conhece os cartórios pelos nomes. E esse batismo é um retrato dessa época, de concessão de cartório segundo critérios políticos. A esmagadora maioria dos agraciados era formada por pessoas ligadas ao extinto Partido Social Democrático (PSD) – do grupo político liderado pelos ex-governadores Agamenon Magalhães e Etelvino Lins. Álvaro Costa Lima trabalhou no Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e João Roma, na Secretaria de Segurança na década de 1940, quando Agamenon governou Pernambuco. A família Roma mantém o comando do cartório.

Paulo Guerra foi governador do Estado, deputado e senador. Arnaldo Barbosa Maciel é ex-deputado e um dos poucos da “velha guarda” em atividade. Dá expediente no cartório que leva seu nome na Rua Siqueira Campos (Centro), um dos maiores do Recife. Ele foi procurado, mas não quis falar sobre o assunto. Tanto Arnaldo quanto Paulo Guerra ganharam a concessão dos cartórios na década de 1950. O monopólio do PSD na indicação dos tabeliães só foi quebrada no governo Cid Sampaio (1959/1962), quando integrantes da União Democrática Nacional (UDN) passaram a ter vez. Um dos poucos udenistas a receber uma titularidade foi o ex-deputado Salviano Machado, vice governador de Nilo Coelho (1967/1971). Ele comandou um cartório de imóveis no Recife.

“Não era exatamente por dinheiro que as pessoas assumiam. Nessa época, os cartórios davam mais status político, serviam para manter uma certa influência sobre a população”, avalia o presidente da Anoreg-PE, Luiz Geraldo Correa. Além de receberem um cartório sem critérios objetivos, os titulares ainda tinham outro privilégio: indicar o substituto, que assumiria a serventia com sua morte. Era legal os tabelionatos hereditários. Geralmente, o substituto era um parente. Paulo Guerra, porém, foi um dos poucos a não seguir esse costume. Nomeou como substituto um assessor, João Dias de Andrade, que é o atual titular. Ele está à frente do cartório desde a morte de Guerra, em 1977.


Fonte: Jornal do Comércio

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