segunda-feira, agosto 02, 2010

São José da Safira dá adeus à cidade fantasma

Antes ela era conhecida como cidade fantasma. Hoje os moradores podem encher o peito é dizer: sou cidadão de papel passado. Aos poucos, a cidade de São José da Safira, na região leste de Minas Gerais, está voltando a sua rotina na medida em que as pessoas estão conseguindo fazer seus registros de nascimento tardio.

Apesar do registro ter sido feito quando se menos esperava, o importante, a partir de agora, é que o alívio e a satisfação podem ser percebidos no rosto de cada morador que participou do mutirão feito pelo Recivil no município. A ação programada pelo Sindicato para a regularização do registro civil dos moradores de São José da Safira aconteceu nos dias 12, 13 e 14 de julho.

Toda esta história começou quando uma estudante procurou o cartório para marcar a data de seu casamento e descobriu que sua certidão de nascimento era falsa, já que o registro não constava em nenhum livro. O caso se espalhou pela cidade e os moradores passaram a procurar o cartório para verificar a situação de seus registros. Muitos descobriram que também não existiam. A antiga oficiala foi afastada e está respondendo processo administrativo pelas irregularidades encontradas. O Recivil ficou sabendo do caso e entrou em contato com a Oficiala interina Clerinéia Maria Júlio para tentar resolver a situação dos moradores.


Uma a uma, as pessoas foram atendidas pela equipe do Recivil durante o mutirão. Diversos erros foram encontrados nos registros dos livros. Por isso, o atendimento teve que ser feito criteriosamente, como explicou a advogada do Recivil, Flávia Mendes.

“Inicialmente fizemos uma triagem para analisar caso a caso, sendo que nos dois primeiros dias, demos preferência para os registros tardios, o que levou um tempo razoável para o atendimento de cada pessoa, já que de posse dos documentos (certidão de nascimento e carteira de identidade), tivemos que analisar Livro, Termo, Folha e data do registro para tentar localizar cada registro. Quando não eram encontrados, depois de detida análise, procedemos aos registros tardios, já com a emissão da respectiva certidão”, explicou.

Durante o mutirão, a procura não foi somente para regularização dos registros inexistentes, “mas também para retificação de registros de nascimento, assim como regularização de casamentos”, disse Flávia Mendes.

Os casos de retificação e regularização dos casamentos foram feitos no último dia, quando esteve presente o juiz Maurício Navarro Bandeira de Mello, diretor do Foro da comarca de Santa Maria do Suaçuí, a promotora Clarissa Gobbo Santos e os advogados Kennedy Teixeira Rocha e Fernando Peixoto Faustino.

Muitas pessoas já saíram com sua certidão em mãos, desta vez, com o registro no livro. Aquelas que não conseguiram pegar a certidão no mesmo dia, em função do grande número de atendimentos, tiveram que ir ao cartório na semana seguinte para buscá-la. “Infelizmente, nos três dias que estivemos em São José da Safira, não foi possível o atendimento a todos os que procuraram o serviço do mutirão, tendo em vista que o número de pessoas que se encontra na situação de irregularidade de registro é muito alto, mas será dado continuidade pela a Oficiala Clerinéia na própria serventia”, informou a advogada do Recivil.

Uma das dificuldades encontradas, segundo a coordenadora de Projetos Sociais do Recivil, Andrea Paixão, “foi sentir o desapontamento da população com a sua situação, e mostrar para eles que o projeto foi para ajudar a amenizar o quadro existente”, disse.

Emoção e protesto

Desde cedo, os moradores já estavam na porta da Escola Municipal Maria da Conceição Silva aguardando a chegada da equipe do Sindicato. O primeiro a ser atendido e a regularizar seu registro e receber a sua certidão foi Ildo Rodrigues dos Santos, de 44 anos. Ele apresentou a carteira de identidade, CPF e a certidão de nascimento, mas no livro onde deveria estar o registro havia apenas uma certidão grampeada no livro. Assim, Ildo descobriu que nunca havia sido registrado. Mas no mesmo dia pôde regularizar sua situação. Com a presença de duas testemunhas, ele fez o registro tardio e já saiu de lá com a nova certidão em mãos.

“Agora eu me sinto um cidadão, nasci denovo”, contou sorridente o morador, mas que agora terá outra situação para resolver: regularizar seu registro de casamento. A certidão de casamento dele e de sua esposa, Maria Helena Oliveira Souza, não tem validade, já que o registro de casamento também não foi encontrado. “Vamos agora dar entrada nos papéis do casamento”, contou Ildo durante o primeiro dia de mutirão, não esperando que dois dias depois também sairia do local com seu registro de casamento resolvido.

O juiz Maurício Navarro Bandeira de Mello assinou a retificação do registro de casamento de Ildo e Maria Helena, que daqui a 30 dias terão que ir ao cartório somente para pegar a certidão.

Desde que o caso se espalhou pela cidade, muitas pessoas descobriram que a família inteira não tinha registro, como contou Maria do Carmo Oliveira dos Santos, de 28 anos. Ela, seu pai, sua mãe, sua irmã mais nova e seu irmão descobriram que não têm o registro. Um outro irmão dela, que mora em Belo Horizonte, ainda não sabe se seu registro está correto. Maria do Carmo compareceu a Escola Municipal Maria da Conceição Silva, acompanhada de duas testemunhas, e conseguiu fazer o registro tardio.

Quem também descobriu que não tinha o registro foi Fabiane Monteiro de Jesus, de 21 anos, casada há quase dois. “Primeiro olhei o registro de casamento e estava certo, depois olhei o de nascimento e descobri que não existia”, disse a jovem. “Me senti um Pokémon”, contou rindo, para logo em seguida explicar que este é o nome usado em cidades do interior a motos de placas frias, que não existem. “Aqui estão chamando as pessoas sem registro de Pokémon”, completou.

Durante os três dias de mutirão, 68 requerimentos de registro tardio foram feitos, além de 81 pedidos de segundas vias de certidão, 36 requerimentos de retificação e 11 certidões negativas de casamento.

Muitos moradores, apesar de conseguirem as certidões, terão agora que fazer novamente outros documentos, como a carteira de identidade. O juiz diretor do Foro de Santa Maria do Suaçuí já autorizou que os CPF’s e as carteiras de identidades sejam feitos gratuitamente pela população. Charles Fidelis da Rocha lamentou ter que tirar novamente sua carteira de identidade. “Agora vou ter que tirar tudo denovo”, contou.

Após 56 anos descobrir que nunca havia sido registrado é motivo de revolta para muitas pessoas. Com José Borges da Silva não foi diferente. “Cinquenta e seis anos sem estar registrado é uma vergonha, um absurdo”, desabafou o morador, que tinha somente a certidão e quando foi ver no livro, no lugar do termo e folha que deveria constar seu nome, havia o registro de outra pessoa.


José Maria Ribeiro procurou o atendimento da equipe do Recivil para pegar a segunda via da certidão de seus três filhos, de 13, 10 e seis anos de idade. As certidões que ele possui estão com termos e folhas diferentes dos registros encontrados nos livros, sendo que estes ainda estão rasurados com corretivo.

Muitos casos de retificações também foram encontrados. Luana Pereira Leite Barbosa, de 18 anos, tem o nome do pai em sua certidão, mas não tem no registro. Neste caso, o pai da adolescente terá que comparecer ao cartório para fazer um escrito particular ou escritura pública de registro de paternidade para que a averbação seja feita no registro da filha.

O lavrador Geraldo Rosa Chaves, de 54 anos, mora na roça e andou de bicicleta durante 40 minutos para chegar até o município de São José da Safira e regularizar o registro do filho que, assim como diversas outras pessoas, só tinha a certidão de nascimento. Mas o lavrador não conseguiu ser atendido no primeiro dia em função do grande número de atendimentos, e voltou no dia seguinte, acompanhado da mulher e do filho. Desta vez, conseguiu regularizar o registro de seu filho, assim como retificar seu registro de nascimento, que está com uma letra no nome errada. “Agora estou mais tranqüilo, acaba com os problemas”, disse.

Presença do magistrado auxilia na regularização de registros

O juiz Maurício Navarro Bandeira de Mello explicou que não foi uma surpresa para ele quando soube dos acontecimentos em São José da Safira, já que havia um processo administrativo em função das irregularidades encontradas nas correições em 2008. “Em 2010 foram encontradas outras irregularidades, mas muitas delas são difíceis de serem constatadas nas correições, como o caso da emissão das certidões sem o registro no livro”, contou.


A promotora Clarissa Gobbo Santos também se pronunciou sobre a situação. “Quando soubemos do que estava acontecendo em São José da Safira gerou uma preocupação em tentar resolver esta situação, e por isso o Ministério Público e os advogados se colocaram à disposição”, comentou a promotora.

Durante o evento, o juiz, a promotora e os dois advogados trabalharam na regularização dos registros de casamento e nos casos de retificação, que necessitam ser feitos via processo judicial.

Um caso curioso é o de Maria Célia da Silva, que casou seis anos antes de nascer. Em sua certidão de nascimento consta que ela nasceu em 1972 e em sua certidão de casamento está registrado o casamento no ano de 1966. Maria explicou que seu marido morreu há oito anos e está precisando regularizar esta situação para conseguir a pensão a que tem direito. A moradora aproveitou a presença do juiz e já conseguiu regularizar seu registro de casamento. Agora ela terá somente que ir até o cartório para pegar a certidão com a data correta.

Ao final do evento, o juiz comentou sobre a ação promovida pelo Recivil. “É uma iniciativa excelente. O Recivil está cumprindo seu papel e é o que se espera dele”, disse.

A supervisora de projetos sociais do Recivil, Claudia Valéria de Oliveira, também comentou sobre a situação encontrada em São José da Safira. “Trabalho em projetos sociais desde o começo. Nesses cinco anos de trabalho, já visitamos cerca de 40% dos cartórios mineiros. O que acontece em São José da Safira é uma triste exceção. Os Oficiais têm como regra um trabalho honesto, compromissado e sempre é feito com dedicação e muito amor”, disse Claudia.

Apesar do grande trabalho e do número de irregularidades encontradas, ao final do mutirão a sensação que ficou foi a de mais um objetivo cumprido, como explicou a coordenadora de Projetos Sociais do Recivil, Andrea Paixão. “O projeto foi muito bom, conseguimos atender a população e levar para eles o seu direito a cidadania. Ficamos muito felizes de ver a população realizada, e com seus problemas solucionados”, disse.

Todo o evento ainda foi acompanhado pela imprensa de Governador Valadares, que relatou os casos encontrados e entrevistou a advogada Flávia Mendes.

Fonte: Recivil

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