quinta-feira, junho 17, 2010

Artigo - Histórias de registro civil tardio - Por Alda Pinto Menine

Por Alda Pinto Menine,
advogada (OAB/RS nº 7831)

No início do ano de 2007, fui convidada pela presidente da Comissão Especial da Criança e do Adolescente da OAB gaúcha, para integrar o coletivo da Comissão. Senti-me honrada e aceitei o encargo. Era o início da gestão do presidente Cláudio Lamachia.

Quando comecei a atuar, fui escolhida pelos meus colegas para a vice-presidência da comissão. No coletivo, elaboramos um plano de trabalho, escolhendo nossas linhas de atuação.

Minha sugestão foi que fizéssemos campanhas de registro civil tardio. O que me levou a escolher este tema foi a leitura de um artigo de Pablo Gentili, que dava conta de inúmeros brasileiros sem qualquer documento comprobatório de sua identidade, por falta de registro oficial. E, mais, assistindo uma palestra, soube que a Unicef havia realizado uma pesquisa e que constatara que em torno de 10% da população do Estado do RS não era registrada.

Com a presidente da comissão fui à sede da Ordem e sugerimos ao presidente da Seccional que nossa ação de cidadania se baseasse na busca de pessoas sem registro. Munidos de projeto que delineava a nossa intervenção, realizamos várias ações de cidadania, aos sábados, em locais onde a vulnerabilidade pessoal e social era intensa e encaminhamos ao registro centenas de pessoas de zero a 18 anos ou, para poder registrá-las, além dezenas de adultos. O primeiro jovem que nos acessou estava a poucos dias de seu aniversário e ia completar 18 anos.

Depois desse, vários outros eventos foram realizados e muitos foram os registrados. Transformou-se em acontecimento trivial registrar mãe e filhos, pai e filhos, família inteira, assim como retificar nomes lançados ao registro com erro de grafia.

Em agosto de 2009, comemorando o Mês do Advogado, realizamos um evento no Cartório da 2ª Zona de Registro Civil das Pessoas Naturais, aberto no sábado pela manhã e atendemos lá, junto com os servidores cartorários, entre outros, uma senhora e seu marido buscando a possibilidade de registrar a irmã dele, com 36 anos, que não tinha certidão de nascimento e, por isso, não podia postular o benefício para pessoa com deficiência que fazia jus.

Encaminhei o pedido na Vara de Registros Públicos e depois, o processo de Interdição, numa Vara de Família e Sucessões, sendo o seu irmão nomeado curador.

No Cartório da 2ª Zona, os atendentes passaram a encaminhar para mim os casos que só podiam ser resolvidos com ação de suprimento de registro civil. Assim me procurou o “seu” Cláudio, como passei a chamá-lo. Tinha completado 56 anos, era pedreiro, não alfabetizado e vivia com sua companheira há mais de 20 anos, sendo que a casa onde morava o casal fora construída por ele mesmo.

“Seu” Cláudio contou-me das decepções que teve quando resolveu procurar regularizar seu registro civil. Várias vezes, quando a dificuldade era demasiada desistia de seu intento e assim permanecia por longo tempo.

Quando falei com ele, assegurei-lhe que, desta vez, não teria possibilidade de desistir, pois minha ação era determinada na busca de obter o seu registro, retirando-o da clandestinidade que se encontrava. Mesmo tendo sido advertido da irreversibilidade da minha intenção, em duas oportunidades queria desistir, diante de dificuldade com documentos e mais provas. Quando lhe entreguei o mandado judicial autorizando o registro, demorou-se olhando os papéis. Foi ao cartório e de lá ligou me avisando:

"Doutora Alda, eu já existo!"

Passou a ser comum que ele me ligasse para dar notícia de seus avanços, que eram constantes. Parecia que andava correndo, ansioso para recuperar o tempo em que “não existiu”. Contou-me que fizera identidade, se inscrevera no Cadastro Geral das Pessoas Físicas e comprara uma linha de telefone, em seu próprio nome. Com esses aportes de cidadania matriculou-se num curso de alfabetização de adulto.

Sua companheira conta que “seu” Cláudio embora chegue cansado da labuta diária, toma banho, troca de roupa e sai para a escola com seu caderninho na mão. Perguntei-lhe como iam os estudos e ele me respondeu: "Estou ´bombando´, quase sei ler!"

Dia 4 de junho de 2010, ele casou no mesmo cartório onde fez seu registro com a sua companheira de vários anos. Estavam lá os dois, bonitos, com suas melhores roupas e com os amigos em volta. Testemunhei a boda e os vi trocarem beijinho, enfim casados.

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aldapm@gmail.com





Fonte: Espaço Vital

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