sexta-feira, julho 20, 2007

Cartório impede registro de nome africano para criança

Depois do nascimento da sua primeira filha no último sábado, o guia de turismo Josuel Soares Queiroz, 37 anos, decidiu, ao lado da sua mulher, Regina Queiroz, que o nome da menina seria Iyami Ayodele. O nome é uma referência afrorreligiosa, pois o primeiro nome significa, numa tradução livre do iorubá, "minhas mães ancestrais" e Ayodele "alegria da casa".

Os dois são religiosos do candomblé.

Ele é ogã e ela ekede, mas a escolha encontrou uma barreira: o cartório de registro civil.

"A oficial do cartório do SAC situado no Iguatemi disse que eu não poderia fazer o registro da minha filha com esse nome. Ela me mandou procurar a Vara de Registro Público no Fórum Ruy Barbosa", conta Queiroz.

Isso foi na terça-feira. Ontem, Josué procurou um outro cartório, sediado no Pelourinho, e ouviu a mesma resposta. Foi então ao Fórum Ruy Barbosa, preencheu um formulário e, agora, vai aguardar 48 horas para saber se a sua decisão vai finalmente ser ratificada.

LEGISLAÇÃO - "O que não dá para entender é que isso é uma coisa completamente normal. Tenho vários amigos que deram nomes africanos aos seus filhos", destaca.

Segundo ele, uns encontram dificuldades para fazer o registro e outros não. "Considerei esse tipo de atitude como algo preconceituoso, um comportamento que costuma ser direcionado às coisas da cultura negra", acrescenta.

A espera já está impondo obstáculos à rotina da família. Anteontem, o guia de turismo perdeu um dia inteiro no SAC. "Eu cheguei às 10h30 e fui informado que as senhas para o registro sairiam às 12h40. Esperei até as 15h30, quando fui informado que não teria o documento", completa.

O registro é também pré-requisito para providências legais do cama sal. "Preciso do registro para providências como incluir milha filha no plano de saúde, pois sou professor licenciado. Mas também sei que este é um direito que tenho e quero vê-lo cumprido", avalia.

Para o promotor de justiça, José Ferreira de Souza Filho, que é coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias Cíveis e Fundações, o caso de Josuel Queiroz não se configura em impedimento para o registro civl. "O que a Lei do Registro Público diz é que o nome não pode causar constrangimento ou incorrer em erro de grafia o que a meu ver não está configurado".

De acordo com Souza Filho, em alguns casos os oficiais de cartórios vinham rejeitando registros de nomes que têm em sua grafia as letras y, k e w que, oficialmente, não faziam parte do português do Brasil.

"Mas mesmo isto não vem mais ao caso, pois com uma nova reforcama que está sendo feita em relação à língua portuguesa estas letras serão incorporadas ao noso alfabeto", completa.

O promotor explica que o guia de turismo pode recorrer ao Ministério Público para buscar a garantia do seu direito. "O nosso interesse é garantir a defesa do interesse da criança, que é o seu conseqüente registro", acrescenta.

A lei que regulamenta o registro civil é a de nº 6015 de 1973. Uma de suas determinações foi a de dar aos oficiais de cartórios a possibilidade de rejeitar nomes que exponham o dono ao ridículo.

PROTEÇÃO -No Brasil, já houve casos de crianças registradas com o célebre 1, 2, 3 de Oliveira Quatro, Bem Vindo o Dia do Meu Nascimento Cardoso, além dos resultados das perigosas junções entre o nome de pai e mãe. "Mas, a meu ver, este não é o caso de Iyami Ayodele, que faz mais uma referência a um contexto histórico e cultural dos seus pais", destaca o promotor de justiça Souza Filho.

O juiz corregedor do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ), Osvaldo Bomfim, disse que a decisão sobre estes casos depende muito do entendimento subjetivo que cada juiz vai fazer da situação que deverá analisar. "Muitas vezes, os oficiais dos cartórios recusam-se a fazer o registro em casos dos nomes que são em inglês", relata.

O juiz recomenda que, se houver rejeição do registro pelo oficial do cartório, a pessoa que fez o pedido peça que o funcionário faça um documento declarando que se negou a fazer o procedimento.

"A partir de então ele pode recorrer ao juiz titular da Vara de Registro Público e se houver negativa há possibilidade de recurso para o TJ", acrescenta Bomfim. O registro de nascimento é uma exigência da legislação brasileira. O primeiro, assim como a sua primeira certidão é grátis. Diferente de outros tempos, hoje não se faz constar no documento a cor da pele.

Fonte: A Tarde - BA

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