terça-feira, março 27, 2007

Casamento sem papel


Em vez do tradicional ciclo do matrimônio, muitos casais preferem morar junto antes de oficializar a relação

Fazer test-drive é comum quando se compra um carro. Antes de fechar o negócio, o interessado dá umas voltinhas no automóvel, sente sua potência (ou não), verifica se o mesmo é confortável e por aí vai. O inusitado é lançar mão desse recurso na hora do casamento. Funciona assim: o casalzinho apaixonado resolve juntar os trapos para testar o grau de tolerância na convivência diária. Se conseguirem passar ilesos pelos percalços da rotina, decidem, então, oficializar o matrimônio.

O modelo Daniel Morelli, de 24 anos, acredita piamente que o test-drive é fundamental para consolidar a decisão de subir ao altar. Ele se mudou de mala e cuia para o apartamento da amada depois de um ano de namoro. Já estão vivendo sob o mesmo teto há três anos. “É extremamente necessário passar por essa experiência antes de oficializar uma relação, porque casamento é como um negócio”, argumenta. “Antes de efetuar a compra de um apartamento, é necessário ir conhecê-lo. A mesma coisa se dá com carro, roupa... sempre é bom experimentar antes de levar para casa”, brinca.

Após uma bem-sucedida convivência com Daniel, a modelo e arquiteta Lívia Caselani, de 28 anos, faz planos de se casar. Mas não agora. A idéia é esperar até se estruturarem melhor antes de oficializar a união, que será apenas no civil e com uma festa para amigos íntimos e família. Entraram num acordo, uma vez que Daniel não curte a cerimônia religiosa. “Estava morando sozinha, sou do Rio Grande do Sul, nos conhecemos e a mudança dele para cá aconteceu naturalmente, aos poucos”, conta. “Mas a minha família, que é tradicional, não vê isso com naturalidade. Querem mesmo o papel passado”.

Sem meias palavras, o advogado Júlio César Beltrão, de 30 anos, propôs para a sua namorada, a também advogada Denize (com z mesmo) Battaglini, de 33 anos: “Vamos fazer um test-drive?” Com o já esperado “sim” da moça, eles resolveram morar juntos. Contabilizaram três anos de união informal e se casaram oficialmente no dia 13 de março. Quando esta reportagem chegar às bancas, eles estarão nos Estados Unidos, viajando em lua-de-mel.

“Apesar de ela gostar de dormir com o ventilador ligado, da mania dela de organização e dos fios longos do seu cabelo espalhados pela casa, encarei o matrimônio”, brinca Júlio. “No início, cedi ao sonho dela do casamento tradicional, mas confesso que também acabei me empolgando com todos os preparativos”.

A advogada conta que os dois primeiros anos de convivência não foram tão tranqüilos. Aprendeu a fazer vista grossa às manias do namorado que mais a incomodava, afinal, como ela própria confessa, lembrava-se de que também tinha as suas chatices. Durante a fase de acertos, Denize pensou em arrumar as malas e se mandar. Só quando tudo entrou nos eixos é que o desejo de se casar como manda o figurino foi consolidado:

- Muita gente que conheço e que se casa sem essa experiência prévia reclama da dificuldade do primeiro ano de adaptação. Senti isso também, mas sem o peso do casamento, de ter gastado uma fortuna e de sentir a obrigação de fazer dar certo, mesmo quando a convivência não estava sendo muito prazerosa. Sem contar aqueles que gastam uma fortuna e se separam logo depois, justamente por não terem vivido a rotina. Casamento, no meu caso, é só felicidade.

Para a versão contemporânea de relação conjugal, que é viver junto sem “papel passado”, existe até um termo: namorido (namorado e marido). A palavra divertida toma o lugar de expressões jurídicas como “neo-estável”, “maritalmente” ou, como se dizia antigamente de forma pejorativa, “amasiado” e “amancebado”.

Conforme observa a terapeuta de casais Claudya Toledo, proprietária da agência de relacionamentos A2 Encontros, as expectativas de homens e mulheres mudaram em relação a casamento. “Hoje as mulheres estão mais preocupadas em se sustentar e ter um bom emprego do que em se casar”, observa Claudya. “Logo que nasceu a A2 Encontros, em 1993, 93% das que se cadastravam no programa optavam por casamento. Atualmente, 78 % preferem relacionamento estável, não necessariamente casamento no papel. Querem, sim, um namorido. Tanto elas como eles valorizam a união informal”.

Curiosamente, os números apontados por Claudya revelam que, entre os inscritos no programa, são os homens jovens que mais desejam se casar: até os 30 anos, o número de rapazes fica em 58%, enquanto o de mulheres na mesma faixa etária é de 38%.

Entre os namoridos, a decisão do casamento oficial pode ser tomada por vários motivos. A chegada de um filho pode ser fator decisivo - para facilitar os trâmites burocráticos em situações como matrícula de escola, clube, seguro saúde, etc, e garantir os direitos legais da criança.

Rosângela Carretero e Marcelo de Souza Leite, de 46 e 44 anos, respectivamente, que trabalham com consultoria de seguros, formalizaram a união no civil por causa do filho. Ela conta que o “impulso” surgiu porque o clube do qual decidiram ficar sócios exigia a documentação. Mas eles, antes de assinarem a papelada, consideraram a boa relação que construíram ao longo de quatro anos de união. “Engraçado que, após a troca de alianças na cerimônia civil, fizemos uma festinha para amigos íntimos e foi muito emocionante”, confessa Rosângela.

Marcelo, por sua vez, havia tido uma experiência frustrante no passado, quando foi morar com uma antiga namorada. Quanto à união com Rosângela, ele não teve dúvidas, principalmente depois do test-drive. “Morar junto é essencial para duas pessoas se conhecerem de verdade. Porque o casal pode até namorar durante anos, mas quando junta as escovas de dente, a coisa muda de figura. Até se adaptar e se conhecer, tem muita conversa, muito DR (discutir relação)... E se dá certo, por que não oficializar?”

O test-drive pode, inclusive, jogar areia no sonho do casamento. Após pouco mais de um ano morando junto com o ex-namorado, a empresária Amélia Whitaker Chaves viu seu príncipe encantado virar sapo. No dia-a-dia, percebeu que aquele homem maravilhoso do início do namoro era, na verdade, tudo o que ela não queria como marido e pai de seu sonhado filho. “Vieram os choques: por exemplo, eu amo MPB e ele, rock, lembra a empresária. Para mim, a refeição é um ritual gostoso, de reunir as pessoas em volta da mesa; para ele, comer qualquer treco já era o suficiente, bastava forrar o estômago”.

Durante a fase namorido, adiaram o casamento três vezes. Foi o tempo que Amélia precisou para ver como eram bem diferentes, e tinham aspirações também distintas. Ela abriu os olhos e pulou fora do barco, que, provavelmente, naufragaria. Separaram-se, mas não sem antes desfrutarem de uma despedida em grande estilo: uma viagem para a Suíça. Na volta ao Brasil, nunca mais se viram. O test-drive dos dois realmente mostrou que o motor do carro ia fundir a qualquer momento. Amélia agora experimenta outra “marca” e “modelo”.

Fonte: O Estado de São Paulo

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