segunda-feira, março 12, 2007

Justiça do Distrito Federal reconhece união homossexual


A Justiça do Distrito Federal reconheceu a união estável de um casal de mulheres para fins previdenciários e para divisão de bens. "A pretensão justifica-se com base além do princípio da igualdade: forte, também, na dignidade humana, numa sociedade justa e igualitária, na ausência de discriminação por atuação positiva da família, sociedade e Estado", afirmou o juiz Rogério Volpatti Polezze, da 22ª Vara do Distrito Federal.

A ação foi proposta por uma servidora pública do Ministério da Fazenda e sua companheira. Elas argumentaram que já viviam em união estável há mais de 24 anos, com conhecimento de amigos e familiares. Segundo elas, o pedido foi feito administrativamente, mas negado.

Em sua contestação, a União sustentou que o não-reconhecimento da união estável não ofende ao princípio da igualdade, "tendo o poder constituinte originário sido claro ao restringir o conceito de família à união estável entre homem e mulher". Para a defesa, não cabe ao Judiciário decidir tais questões. O parágrafo 3º, do artigo 226 da Constituição Federal diz que para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

Segundo o juiz, o casal apresentou "prova robusta de convivência duradoura, configurando às claras uma relação estável homoafetiva". A União não contestou as provas.

Além de se basear nas provas, o juiz usou o texto constitucional para fundamentar a sua decisão. Citou o artigo 1º, que trata do respeito à dignidade humana. E também o artigo 3º que fala dos objetivos fundamentais da República, como a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor. Ainda o clássico artigo 5º, onde o constituinte previu que todos são iguais perante a lei.

O dispositivo que trata da família, "base da sociedade", que foi usado como base da defesa da União também foi discutido pelo juiz. Além de citar, o parágrafo 3º, grifou o 4º que entende como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descentes.

Para decidir, Polezze também discorreu sobre o dinamismo do texto constitucional. "Trata-se de verdadeira expressão do poder constituinte, poder político, que, exatamente por sua natureza inovadora, não pode ser visto com amarras rigorosas, sob pena de fazer com que se torne, em poucos anos, um texto engessado", concluiu.

O casal foi defendido pelo advogado Eduardo Piza Gomes de Mello, do escritório Piza de Mello e Primerano Netto Advogados Associados.

Família brasileira

A interpretação judicial sobre a união homossexual pode vir a criar, inclusive, a quarta família brasileira. No atual contexto, a Constituição prevê três enquadramentos de família. A decorrente do casamento, a família formada com a união estável e a entidade familiar monoparental (quando acontece de apenas um dos cônjuges ficar com os filhos).

Ao julgar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade em fevereiro de 2006, o ministro Celso de Mello afirmou que a união homossexual deve ser reconhecida como uma entidade familiar e não apenas como "sociedade de fato". A manifestação foi pioneira no âmbito do Supremo Tribunal Federal e indicou que a discussão sobre o tema deve ser deslocada do campo do Direito das Obrigações para o campo do Direito de Família.

A opinião do ministro foi explicitada no exame de uma ação proposta pela Associação Parada do Orgulho Gay, que contestou a definição legal de união estável: "entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família" (artigo 1.723 do Código Civil).

Celso de Mello extinguiu o processo por razões de ordem técnica, mas teceu considerações sobre o que afirmou ser uma "relevantíssima questão constitucional". O ministro entendeu que o STF deve discutir e julgar, em novo processo, o reconhecimento da legitimidade constitucional das uniões homossexuais e de sua qualificação como "entidade familiar". Ele chegou até mesmo a indicar o instrumento correto para que a questão volte ao Supremo: a ADPF, Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

Em sua decisão, o ministro cita a desembargadora gaúcha Maria Berenice Dias, que ressalta a importância do Judiciário como agente de transformação social: "Ao menos até que o legislador regulamente as uniões homoafetivas - como já fez a maioria dos países do mundo civilizado - incumbe ao Judiciário emprestar-lhes visibilidade e assegurar-lhes os mesmos direitos que merecem as demais relações afetivas. Essa é a missão fundamental da jurisprudência, que necessita desempenhar seu papel de agente transformador dos estagnados conceitos da sociedade.

Fonte: Arpen Brasil

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