quinta-feira, janeiro 25, 2007

Divórcios e inventários

A nova lei que permite que inventário e divórcio consensuais sejam feitos diretamente em cartórios, não necessariamente por intermédio do juiz, coloca em questão dois mitos que ainda muito atrapalham a obtenção de uma justiça ágil, igualitária e eficiente. Daqui para a frente, divorciar-se e inventariar será mais rápido e barato.

O primeiro mito é o de que a reforma do Poder Judiciário é um grande problema. E – acredita-se – um grande problema deve ser resolvido com uma grande solução. Não é verdade. Um grande problema é, na maioria das vezes, um problema complexo. Ou seja, resulta do acúmulo e da perversa interação de muitos pequenos problemas. Donde dificilmente terá uma solução única, mágica e onipotente. Ao contrário, a solução virá do acúmulo sistemático de várias pequenas soluções convergentes.

O cálculo é de Pablo Cerdeira, da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas. Segundo o IBGE, em 2005, o Judiciário realizou 102.503 separações judiciais e 153.839 divórcios, dos quais 76% e 68%, respectivamente, foram consensuais. Mais ainda: não houve recurso em 150.714 casos de divórcio concedido judicialmente, ou seja, 98% do total. Somando-se esses casos com os das separações judiciais que foram consensuais, temos boas razões para acreditar que em cerca de 230 mil casos a intervenção judicial não se justificaria. Tudo isso levando em conta apenas os dados do IBGE, que, embora seja a única fonte de abrangência nacional, inclui apenas as decisões já averbadas em cartórios, ou seja, a minoria. Na prática, os números devem ser bem maiores.

O importante vem agora. De acordo com os Indicadores Estatísticos do CNJ, em 2004, os Tribunais de Justiça detinham cerca de 25 milhões de processos, recebendo cerca de 10 milhões de novos processos ao ano. O custo médio de cada processo era de R$ 480 ao ano. Os 230 mil processos de divórcio anuais equivaleriam 2% do volume de novos processos. Retirar essa quantidade de processos do Judiciário significaria – somando os custos diretos de cada ação e os custos indiretos dos tribunais – economizar mais de R$ 100 milhões.

Esses dados não são rigorosos nem conclusivos, pois nos faltam estatísticas mais precisas sobre pontos específicos. Por exemplo: divórcios com menores e incapazes, mesmo consensuais, terão de ser feitos na justiça. Ainda assim, são dados extremamente ilustrativos do potencial das novas leis. Pequenas soluções que convergem para solucionar um grande problema: desafogar a justiça e permitir que os juízes voltem as energias para sua função maior: a jurisdicional, a de dirimir conflitos, conclui Pablo Cerdeira.

O segundo mito que as novas leis questionam é a crença de que uma nova lei é suficiente para resolver os antigos problemas. Ledo engano. É, muita vez, condição necessária, mas sempre insuficiente. Uma nova lei não é final da reforma, é apenas o começo. Torná-la real para o cidadão – esse é o passo seguinte e decisivo, e é o que está tentando fazer Pierpaolo Bottini, da Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça.

Uma série de providências e normas administrativas precisam ser adotadas por diversos órgãos. Do contrário, a nova lei pouco trará de benefícios para a população. Os cartórios de registros, por exemplo, devem estabelecer novos procedimentos internos. As Assembléias Legislativas necessitam aprovar novas tabelas de custas, quando for o caso. Se as custas forem estabelecidas em altos níveis, a separação em cartório corre o risco de ser mais cara do que nos tribunais. As secretarias de Fazenda dos estados necessitam confirmar ou reformular a avaliação dos bens, quando houver, e o recolhimento dos impostos, como o sobre transmissão causa mortis e doação de bens e direitos, ITCD e, eventualmente, o de transmissão de bens imóveis, ITBI, de competência dos municípios.

Não se trata de tarefa fácil embora indispensável. A cultura na administração pública brasileira não é a de trabalho conjunto entre órgãos tão diversos, como o Judiciário e o Executivo, e entidades sociais representativas, como, no caso, a Anoreg, que representa os cartórios. E, no entanto, sem esse trabalho conjunto e imediato, as novas leis podem sair pela culatra. Alguns estados já fizeram essa coordenação; outros, nem da necessidade dela estão conscientes.

Além do argumento da eficiência e do melhor serviço prestado aos usuários da justiça, existe outro argumento, talvez mais realista e definitivo, em favor de imediata coordenação entre esses órgãos de modo a possibilitar a imediata implantação da nova lei. Como, aliás, já está fazendo São Paulo. É que as pesquisas mostram que grande parte da classe média não legaliza o fim do casamento devido ao custo da ação judicial, à demora e à burocracia. Vivem na ilegalidade civil. A nova lei, se bem implementada – isto é, se permitir divórcios de forma prática, rápida e barata – fará que o estoque represado de separações não legalizadas busque a legalização. Provocará uma quase corrida aos cartórios. O que implicaria mais receita para os cartórios e mais impostos para os estados. E, principalmente, mais legalidade, para este país dela tão carente.

Joaquim Falcão
Diretor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro e membro do Conselho Nacional de Justiça

Fonte: CorreioWeb - DF

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