terça-feira, novembro 01, 2011

Brasil tem campanha para incentivar registro civil

País tem pelo menos 599.204 crianças até 10 anos sem certidão de nascimento.


RIO DE JANEIRO, Brasil – Pablo Alexandre Cunha da Silva tem 28 anos e nunca foi registrado.Por isso, não pôde frequentar a escola. Sem instrução e documento, é obrigado a aceitar pagamento abaixo do salário mínimo consertando bicicletas. Ferido recentemente em um acidente de ônibus, Silva não pôde sequer receber a indenização da empresa de transporte responsabilizada pelo acidente. E ele tampouco consegue tratamento médico para cálculo renal. “Só prestam socorro de emergência no hospital”, lamenta Silva. Mas, em 17 de outubro, Silva deixou para trás esse triste anonimato. Assim como outras centenas de moradores, Silva tirou uma certidão de nascimento pela primeira vez no mutirão promovido pela Comissão Judiciária para a Erradicação do Sub-registro de Nascimento, da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em Nova Iguaçu.


O município é um dos 14 que formam a Baixada Fluminense, considerada uma das áreas mais pobres e violentas do estado do Rio. Em 2010, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) incluiu o número de crianças até 10 anos sem registro de nascimento no censo. São 599.204 –1,86% da população nessa faixa etária. Desse total, 167.532 têm até 1 ano de vida, representando 6,7% das crianças nessa idade. O grupo sem certidão até o terceiro mês do ano seguinte ao nascimento é classificado como sub-registro. “O número (real) é muito superior porque o IBGE não contabilizou a população adulta”, diz Raquel Chrispino, Juíza da 1ª Vara de Família de São João de Meriti, outro município da Baixada Fluminense. Raquel também é coordenadora da comissão da Corregedoria que promove o mutirão dentro do Projeto de Erradicação do Sub-Registro no estado do Rio. “Às vezes recebo pessoas de 70 anos de idade atrás do registro porque querem, pelo menos, ser enterradas com o próprio nome e não como indigentes”, conta Raquel.


A falta do registro civil, necessário inclusive para atestar a morte, impede a pessoa de ter acesso a serviços de saúde, escolas, benefícios trabalhistas, sociais, além de não poder votar.



Com campanhas, mutirões como os da Justiça do Rio e a melhoria dos serviços dos cartórios, o Brasil vem conseguindo reduzir o número de pessoas sem registro. Em dois anos e meio, já foram realizados oito mutirões no Rio de Janeiro e atendidas 9.000 pessoas. Dessas, 2.500 procuraram o serviço para emissão da primeira certidão de nascimento. “O percentual de sub-registros no país já foi de 12%, em 2007, e agora é de 6,7%”, diz Ricardo Chimenti, juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça, órgão ligado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).


CNJ tem campanha nacional para incentivar registro


Em parceria com a Secretaria Especial de Direitos Humanos, a Corregedoria coordena uma campanha nacional em prol do registro de nascimento e documentação básica.

Desde o lançamento da iniciativa, em 2009, o CNJ instituiu um modelo mais seguro de certidão de nascimento, feita em papel da Casa da Moeda para evitar falsificações.

Também foi criado um número de matrícula por certidão (Código Nacional de Serventia – CNS), que garante a rápida localização do cartório onde o registro foi realizado.

Das 615 maternidades públicas do país, 179 agora têm um espaço implantado pelo CNJ onde um funcionário treinado do local ou de um cartório pode fazer o registro da criança ainda no hospital.

“Em alguns lugares, se a criança não é registrada na maternidade, é muito difícil que seja no futuro”, acrescenta Chimenti
 
 
Os maiores percentuais de sub-registros estão na Região Norte.

O Amazonas lidera, com 20,98%, seguido de Roraima, com 19,79%, e Pará, com 19,42%, segundo o IBGE.

“No Norte, tudo é longe. (Em algumas áreas) a locomoção é via barco e por igarapés”, explica Paulo Risso, presidente da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil). “Os prefeitos devem mobilizar seus agentes na área social para localizar essas pessoas.”

O registro gratuito universal é garantido pela Lei nº 9.534/97. E o registro tardio, que antes dependia da abertura e da tramitação de processo judicial, agora é agilizado no próprio cartório.

“Mas a população ainda acha que tem que pagar ou que está sujeita à multa depois de um tempo sem registro, e não busca o serviço”, explica Raquel.

Criado pelo padrasto, João Batista de Souza, desde um ano de idade, David Anderson Rangel (centro) teve o nome de Souza adicionado a seu registro de nascimento em 17 de outubro no Rio de Janeiro.

A falta de registro dos pais ou a perda desse documento pode provocar o sub-registro das gerações seguintes, completa Raquel.

“Tem aqueles que perderam a certidão há 30 anos e nunca tiraram uma segunda via”, diz Raquel. “O mutirão também atende esses casos porque a pessoa nessa situação tem a carência semelhante ao da não registrada.”

Sebastiana Eunice Vicente, 51, conhece bem os transtornos provocados pela perda de documentos. Sem a documentação pessoal, perdida numa enchente, Sebastiana não conseguiu registrar a filha, Michelle Cristina Vicente, 19 anos.

E o problema atravessa gerações: Michelle agora tem duas filhas, ambas sem certidão de nascimento.

“Michelle precisa do registro para levar as meninas ao médico e colocar na creche”, conta Sebastiana enquanto a família é atendida no mutirão em Nova Iguaçu.


Pais ausentes agravam problema



O não reconhecimento da paternidade é outra causa do sub-registro, completa Raquel. “A mulher fica esperando o pai porque tem vergonha de registrar o filho sozinha”, explica a juíza. “Elas não sabem da existência de uma legislação que já prevê que o próprio Ministério Público promova a investigação de paternidade.”

A Lei 8.560/92 determina que, no momento do registro, apenas com o nome da mãe, o cartório envie à Justiça as principais referências do suposto pai para que o mesmo seja localizado e diga se quer assumir a paternidade. Para os que não quiserem assumir suas supostas responsabilidades, poderá ser solicitado exame de DNA.

Justamente devido à relação entre o não reconhecimento de paternidade e a falta de registro civil, o CNJ resolveu ampliar o foco da campanha. Em agosto de 2010, lançou o projeto Pai Presente, que estimula os homens a reconhecerem seus filhos em cartório.

Em 2009, o país tinha 4.850.000 crianças e adolescentes de até 18 anos sem o nome do pai na certidão de nascimento, segundo o Censo Escolar realizado pelo Ministério da Educação (MEC). “Além do problema de natureza psicológica, esse indivíduo pode ter problemas em questões de heranças e recebimento de pensões”, diz Chimenti.

O mutirão de Nova Iguaçu também atende aos interessados no projeto Pai Presente.

Aos 17 anos e no sexto mês de gestação, Lílian Ferreira do Carmo foi ao mutirão para tirar sua primeira certidão de nascimento. Orientada no local, também decidiu que iria procurar a defensoria pública para incentivar o pai da criança a assumir a paternidade e ajudar na gravidez. “Quero poder registrar o meu filho e dar a ele tudo que não tive”, diz Lílian.

O motorista de ônibus aposentado João Batista de Souza, de 60 anos, aproveitou a iniciativa em Nova Iguaçu para incluir seu nome no registro de nascimento do enteado, David Anderson Rangel, 31. João tornou-se responsável por David desde seu primeiro ano de vida, quando começou o relacionamento com a mãe do rapaz, Maria de Lourdes Rangel, 52. “Estou muito feliz. Quero acrescentar o nome do avô nas certidões dos meus filhos”, afirma David.



Fonte: Site Infosurhoy

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